O Chá conta História by Beatriz Meireles - capa

O Roseiral fora originariamente projetado pelo arquiteto Raul Lino, por vontade de um rico comerciante, nos idos anos do início do século XX, com uma moradia cujos olhos circundavam o sossego da paisagem verdejante, pintada de uma majestosa magnólia anterior ao tempo da construção e rosas de pétalas delicadas, que cobriam inúmeros caramanchões.

O segundo proprietário, Adílio de Sousa, homem de olhar brando, adquiriu-o à custa da fortuna colonizadora de Angola, das fazendas de hectares de café e de pecuária, apenas visitáveis na totalidade pelo ar, de onde se despenhou para o inferno o irmão, certamente pelos castigos impiedosos que infligia aos homens negros incapazes de produzirem mais.

Em 1966, ao prestimoso e notável homem conferiu-lhe o Presidente da República o grau de Comendador da Ordem de Benemerência, com honras e direito ao uso de insígnias, regressado à metrópole, desde 1947, com o objetivo de aplicar o santo dinheiro na Misericórdia, de encontrar uma casa que ostentasse os quase cinquenta anos de trabalho e uma mulher jovem e casadoira, capaz de conceber herdeiros, o que nunca aconteceu talvez por culpa do próprio Adílio.

Elvira, a escolhida, delicada e discreta, educada, crente em Deus, a típica senhora que usava saias travadas abaixo do joelho, meticulosamente arranjadas pelas criadas na salinha de costura e na lavandaria na ala da residência que lhes era destinada.

Os criados tinham também direito a pequenos quartos de dormir, com caminhas de ferro, mesinha de cabeceira, cadeira e guarda-roupas, a quarto de banho junto à caldeira à lenha que aquecia os banhos e os radiadores dos senhores, a uma dispensa e cozinha imensas, a uma adega para os vinhos e crucificação de presuntos no teto, outrora porcos dos caseiros, e pequenos aposentos onde depositavam nas prateleiras, de forma alinhada para não apodrecerem, as perfumadas frutas, as folhas de tília e de rosas para os chás dos residentes.

No andar de cima, destinado exclusivamente a Adílio e Elvira, abria-se a casa a uma enorme varanda com vista para a capela, cuja caravela portuguesa em marfim e puxadores dourados de cobre davam as boas-vindas, à entrada, aos convidados: de um lado, na salinha cor-de-rosa, com papel de parede e reposteiros a combinar, ficavam as senhoras, confortavelmente sentadas nas poltronas beges de seda, a conversar e a beber das finas chávenas de porcelana Vista Alegre o chá de rosas; do outro lado, no escritório verde esmeralda de maciços móveis de pau santo, encontravam-se os senhores, poderosos, a fazer os mais diversos negócios, fumando, conversando e saboreando whisky com pedras de gelo.

Depois da tarde terminar, quando passavam à sala de jantar, as pratas dos armários brilhavam juntamente com o lustre de cristal e as iguarias untadas de temperos, trazidas pelo elevador da cozinha e empratadas pelos criados na copa.

Para ajudar à digestão e deixar os alimentos repousar, no final do repasto, uma vez mais, aceitavam as senhoras chá de rosas e os senhores bebiam chá de tília, por ser um pouco menos doce e mais másculo, café de Angola e outros líquidos alcoólicos.

Quando as visitas não vinham, antes de Adílio sair no jaguar conduzido por um motorista, tarefa dada a um irmão mais novo de Elvira sem trabalho, o casal aproveitava para tomarem juntos o pequeno-almoço na varanda, sombreado pelas rosas e glicínias, que mandara, entretanto, plantar a dona da casa, com bolinhos e chá para ambos, igualmente de rosas.

Apesar da enorme diferença de idades, tiveram felizes momentos e viagens maravilhosas a sítios longínquos, mesmo sabendo Elvira que Adílio a deixaria em primeiro lugar sozinha, o que aconteceu, poucos anos após o vinte e cinco de abril de 1974.

Com a democracia, sem Adílio e com menos criados e caseiros para criarem o gado e tratarem da quinta e do jardim, a Elvira sobrou-lhe uma fiel criada, com quem ainda hoje podemos ver a tomar deleitosa o chá, sabores ricos e Infusões frutadas e floridas, tal como, na História de amor com Adílio, faziam à varanda do Roseiral.

Autora: Beatriz Meireles, Vereadora da Cultura da Câmara Municipal de Paredes.

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